Confiança e transparência nas cadeias de suprimentos
Atualmente estamos vivenciando uma forte tendência mundial de reestruturação de cadeias de suprimentos com base na transparência corporativa e na confiança (trust).As cadeias de suprimentos de tecnologias essenciais e emergentes enfrentam um grande e crescente crivo após duas disrupções que se relacionam – uma precipitada pela pandemia de Covid-19 e outra pelas tensões entre as duas maiores economias mundiais: China e EUA.
Estas disrupções levaram a uma mudança de paradigma nas narrativas em torno da cadeia de abastecimento global.
Décadas de alterações direcionadas à eficiência, que originaram a cadeia de suprimentos global, também a tornou fraca e repleta de gargalos. Ao mesmo tempo, a necessidade de verificar a “confiabilidade” (trustworthiness) dos fornecedores criou uma camada a mais de escrutínio.
Apesar do descontentamento com a globalização não ser, de modo algum, um fenômeno novo, a urgência em torno das chamadas “cadeias de abastecimento de confiança” intensificou-se ao longo dos últimos dois anos.
O que significa o conceito de cadeias de suprimento confiáveis?
O conceito de confiança nas cadeias de abastecimento é um integrante relativamente novo no vocabulário geopolítico global, mas tem um histórico na gestão de defesa e industrial.
Neste contexto de evolução, dependendo de “quem” ou “onde” estiverem ligados a esta questão, confiável pode significar, de forma variada, seguro, transparente, adaptativo, ético ou estável.
Em um contexto de segurança nacional, a confiança tem sido tipicamente definida em termos bastante restritos. Podemos citar, como exemplo, a Lei de Autorização de Defesa Nacional dos EUA de 2003, que define, implicitamente, “fornecedores confiáveis” como aqueles com são baseados nos EUA e, por extensão, mais fáceis de auditar e controlar.
Parcerias tecnológicas, por sua vez, definiram a confiança ao longo de dois parâmetros: capacidade e empenho (ou intenção). Neste contexto, a confiança é construída através de uma habilidade consistente de cumprir obrigações (confiança transacional), pontos fortes complementares (confiança relacional) e alinhamento estratégico, em que os parceiros vêem a capacidade e capacitação dos outros como uma extensão das suas (confiança colaborativa).
O que é uma parceria tecnológica?
A parceria tecnológica pode acontecer de diversas formas. Uma delas é através da integração entre sistemas, um modelo em que soluções diferentes se unem em uma camada não visível para o usuário para troca de informação e até mesmo execução de comandos entre os produtos. É uma excelente alternativa para entregar uma oferta mais completa, com mais agilidade.
Outra forma é a incorporação de um produto de uma empresa no portfólio da outra.
O uso do termo cadeias de suprimentos confiáveis (e suas variações) dentro de seus contornos atuais realmente decolou nos últimos dois anos. Entre as multinacionais de tecnologia, o termo é usado para tranquilizar clientes e sinalizar confiabilidade aos reguladores.
Com definições variadas o que significam então cadeias de suprimento confiáveis? Surgem com este questionamento quatro tópicos:
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Segurança
A capacidade de prever, monitorar e responder a ameaças que podem afetar a continuidade das cadeias de suprimentos. A segurança às vezes é confundida com a confiança, mas é apenas um dos elementos da confiabilidade.
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Transparência
Processos de decisão transparentes, auditorias regulares e capacidade de resposta a pedidos de informação são a base do conceito de confiabilidade.
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Resiliência
A capacidade das cadeias de se recuperarem de choques, quer sejam de catástrofes naturais, alterações nas políticas de segurança e econômicas das nações fornecedoras, etc.
Nos casos em que a segurança e a transparência podem impor obrigações específicas aos fornecedores, a resiliência é uma qualidade da rede em sua totalidade.
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Sintonia de ideias (Likemindedness)
Sendo o tópico menos claramente definido, a sintonia de ideias, que aqui também podemos chamar de “semelhança”, parece capturar dois sentidos amplos.
A primeira é a semelhança em ideologias e, por extensão, em sistemas jurídicos e políticos. A Austrália e os EUA, por exemplo, enfatizam a democracia e as sociedades abertas como um requisito para construir cadeias de abastecimento confiáveis.
O segundo são os objetivos comuns, que ignoram a questão delicada da natureza de um regime e dos desacordos que os países parceiros podem ter, e, em vez disso, enfatizam fins comuns.
A ambiguidade da “semelhança”, particularmente no último caso, reuniu parceiros improváveis. Notável entre estes é o Diálogo de Segurança Quadrilateral (ou Quad), composto por Austrália, Índia, Japão e EUA, que começou como uma coalizão adaptada para defender a liberdade de navegação no (agora) Indo-Pacífico, e desde então expandiu seu âmbito para a conectividade, tecnologias críticas e emergentes e cadeias de suprimento.
O conceito de confiança é algo ainda em criação. Para definirmos uma cadeia de suprimentos confiável dependeremos dos atores e fatores espaciais que a definem. Fontes confiáveis podem ser amplamente definidas com base em locais de origem que permitem ao governo auditar e controlar a cadeia de suprimentos.
A transparência na cadeia de suprimentos e sua importância
A transparência de uma cadeia de suprimentos aumenta o valor dos negócios.
Ampliar a visibilidade das práticas dos fornecedores requer trabalho, mas pode levar a novas oportunidades de mercado.
Um estudo da KPMG, uma das maiores empresas de prestação de serviços profissionais nas áreas de Audit (auditoria), Tax (impostos) e Advisory (consultoria), intitulado Transparência nas cadeias de suprimento, lista transparência interna, honestidade e clareza como elementos fundamentais para tal objetivo.
O processo de transparência interna tem como foco possibilitar uma tomada de decisão eficiente dentro da empresa, reduzindo o desperdício e proporcionando um rendimento operacional melhor.
A clareza em toda a cadeia de valor está relacionada à prestação de melhor atendimento entre cliente e fornecedor, gerando aumento de receita e mais eficiência operacional.
Outro ponto importante está se refere à garantia de tranquilidade às partes interessadas, internas, externas e relacionadas à confiabilidade nos dados, práticas e processos.
A busca pela transparência, além de envolver todos os setores da empresa, abrange alguns elementos destacados pelo estudo. São eles:
- Consumidor e crescimento: por meio da confiança e fidelidade do usuário, percepção da marca, aumento da qualidade e confiança dos investidores;
- Riscos e compliance: por meio do cumprimento da legislação, due diligence de recursos humanos, aumento de estoque de alimentos, crescimento da responsabilidade socioambiental e redução dos impactos sociais;
- Excelência operacional: com a redução e eliminação de desperdício, otimização dos estoques, controle da exposição cambial, diminuição dos custos de recalls e melhoria no aspecto dos produtos.
Logo, para que se obtenha transparência na cadeia de suprimentos é necessário, então, compreendê-la do início ao fim.
Definindo transparência:
Como já visto, existem muitos conceitos que são relativos e com a palavra “transparência” não é diferente. O primeiro passo para criar uma cadeia de suprimentos transparente é decidir o que significa transparência para sua empresa.
É importante que se considere alguns pontos como setor da empresa, quais regulamentos se aplicam, o código de ética, a cultura corporativa, quem são seus fornecedores, suas experiências com problemas passados e o nível de risco que a empresa está disposta a aceitar.
As empresas geralmente começam com uma avaliação dos stakeholders internos e externos denominada “avaliação da materialidade”.
Isso ajuda a determinar pelo menos os requisitos básicos de informações que se deseja dos fornecedores e serve como um guia de como proceder a partir daí.
Conclusão
Cadeias de suprimento confiáveis e transparentes se tornarão um pilar para a formação de novas coalizões centradas em tecnologias críticas e emergentes. No entanto, os observadores não devem assumir que este termo capta as mesmas ideias entre a miríade de atores que começaram a usá-lo.
O uso do termo “confiança” neste contexto pode servir como uma abreviatura para confiabilidade, resiliência ou continuidade, chamada para o fortalecimento da segurança dos processos.
Enquanto a busca por eficiência e menores custos levou à globalização das cadeias de suprimentos nas últimas três décadas, os seus contornos, na década de 2020, estão sendo moldados pela evolução dos entendimentos de “confiança” e “transparência”.